ATUALIZAÇÃO DE NAVEGADOR
A versão que você está utilizando deste navegador está desatualizada.
Por favor, clique em um dos botões abaixo para instalar uma versão mais atual do seu navegador de preferência.
Loading

Ecilene Irene da Silva, 43 anos, separada, 1 filho. Da Bahia. Gosta de ser chamada de Cirlene.

“Eu não tinha muita noção do que era certo ou errado, então me sentia bem trabalhando aos 11 anos como trabalhadora doméstica porque conseguia ajudar a minha mãe nas necessidades de casa. O mais triste é que a gente abandona os estudos, e foi o que me aconteceu. Eu trabalhava e morava na casa de uma senhora, sentia muita saudade da minha mãe, mas essa patroa era muito simpática e carinhosa comigo. Só saí de lá porque tive problemas com o filho dela, que tentou abusar de mim. Assim, ela me devolveu pra minha mãe por preocupação do que poderia acontecer.

Tempos depois, eu e minha mãe saímos da roça e fomos morar numa cidade com mais estrutura chamada Crisópolis, na Bahia. Aí comecei a trabalhar de dia e estudar a noite e tive a sorte de conhecer pessoas maravilhosas que me abriram as portas. Uma delas foi uma patroa que era também diretora da escola e incentivava meus estudos. Completei a 4° série e resolvi ir com a minha irmã mais velha para SP. Tinha 18 anos e a ilusão de que ia estudar, trabalhar e fazer uma faculdade pra ser professora. As coisas não foram bem assim. Eu trabalhava de segunda a sábado como trabalhadora doméstica, só tinha o domingo pra descansar, e não tinha tempo pra estudar. Eu dormia muito tarde para servir o jantar da patroa e acordava muito cedo para servir o café. Pelo menos, o dinheiro que eu ganhava dava para ajudar e cuidar da minha mãe e pude construir uma casa no norte.

Conheci meu marido e entrei em outra casa de família onde fiquei por nove anos. Lá eu comecei a cuidar de um menino que virou um filho pra mim. Logo eu engravidei, tive meu filho e fui dispensada porque tinha um bebê. Fiquei dois anos desempregada, pagando aluguel no desespero. Fazia bico de faxina quando dava. Aí entrei em contato com uma antiga patroa, aquela que incentivava meus estudos, e comecei a trabalhar na casa dela e da filha dela. Eu deixava meu filho na escola para cuidar do filho dos outros. A vida de trabalhadora doméstica é assim mesmo: você abre mão da sua vida para cuidar da vida da patroa. É difícil, mas eu sigo cuidando com muito amor dos netos da minha patroa que é também maravilhosa pra mim.

Aprendi muita coisa sendo trabalhadora doméstica. A principal de todas é que não é fácil conviver com as pessoas, mas a gente precisa ser tolerante. Cuido da casa da minha patroa como se fosse a minha, cuido das crianças como se fossem meus. Não existe trabalho perfeito, mas fui conquistando o respeito e a confiança dos meus patrões. Pela manhã, quando meu patrão sai de casa, ele me diz: “a casa está nas suas mãos”. É isso mesmo, até a lista de compras sou eu quem faço. Mas se eu falasse que somos valorizadas como deveríamos, estaria mentindo. A pessoa que fala que o preconceito acabou está mentindo também. Eu tenho um filho pequeno pra criar, aluguel e contas pra pagar, já aguentei muita coisa calada.

Ainda tem até patrão que não permite que a funcionária coma na mesma mesa e a mesma comida que a dele. O sindicato das trabalhadoras domésticas me ensina muito sobre os meus direitos. Hoje eu consigo brigar e me sinto mais gente. Antes eu tinha vergonha de dizer que sou trabalhadora doméstica porque colocaram na minha cabeça que eu não tinha valor, mas hoje eu sei que é um emprego como qualquer outro. E me sinto um ser humano por ter trabalho. É com esse dinheiro que pago a perua escolar do meu filho, a escola de música pra ele, e tudo o que a gente precisa.

Depois de um dia cheio de trabalho, de lavar todos os banheiros e aspirar a casa, eu olho pra trás e tenho prazer em sentir o cheiro de limpeza. E tem coisa melhor do que receber um elogio do patrão dizendo que a comida ficou deliciosa? Ah, se ele soubesse como é bom receber um elogio! Parece um detalhe, mas é gigante!

Desejo mais respeito, consideração, direito a férias, direito a sentar e ter horário de almoço. Desejo que o patrão entenda que a doméstica também cansa e precisa de pausas durante o trabalho. Desejo que o patrão não me ligue na minha folga, no domingo, perguntando onde é que está o paletó dele. Ele que procure, mas não me ligue! Eu quero descansar para voltar ao meu trabalho na segunda-feira renovada.

Ainda hoje eu mando dinheiro pra ajudar minha mãe quando ela precisa. Dia desses, aos 81 anos, ela me ligou pedindo uma máquina de lavar roupa porque não aguenta mais lavar na mão. Eu pude ajudar a minha mãe com o meu trabalho de trabalhadora doméstica, por isso eu agradeço. Enquanto eu puder trabalhar, tô firme. Meu sonho é comprar meu cantinho em São Paulo e ter uma aposentadoria digna por tudo que fiz.

Minha profissão é ainda muito desvalorizada, apesar de já termos conquistado muitas coisas. E se você quer saber o porquê eu amo ser trabalhadora doméstica, te digo: amo o fato de ser útil!”.

Fechar

PERÍODO DE PARTICIPAÇÃO ENCERRADO