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Marinete dos Santos Martins, 60 anos, 2 filhos e 5 netos, do Rio de Janeiro.

“Eu não sei de onde vem toda a minha energia, mas acho que é fruto da minha superação de saúde. Eu tive poliomielite quando criança, fui desacreditada pelos médicos, mas, como diz minha mãe, eu ressuscitei e corri atrás do tempo perdido. Desde meus 17 anos, quando comecei a trabalhar como trabalhadora doméstica, eu já sabia que era uma ótima organizadora do lar. É porque somos em oito irmãos e já ajudava a minha mãe a botar ordem na bagunça de casa. Aí, uma amiga da minha mãe disse que procurava uma menina dócil que tivesse jeito e paciência com um garoto terrível de 11 anos e sua irmãzinha de 7. Eu, que cuidava dos filhos dos vizinhos de graça, aceitei o desafio.

Meu pai não permitia que eu dormisse na casa dos outros, então eu trabalhava, indo e voltando, sem carteira assinada, mas recebendo meu salário direitinho. A minha patroa não me explorou, mas me pediu muita paciência. O filho dela dava muito trabalho mesmo e nenhuma babá queria o emprego. Só que comigo não, eu botei respeito já na primeira semana. “Você é tão nova, ajustada, centrada”, eu ouvia da patroa. Cuidei desse menino por um tempo até que cheguei ao meu limite num desaforo que ele fez e fui embora.

Cuidei de outras crianças dos vizinhos, ajudei minha mãe no restaurante que ela trabalhava, até que arranjei um trabalho na casa de uma senhora que estava muito doente. Fiquei com ela até o falecimento, eu gosto de cuidar das pessoas. Depois comecei a fazer uma faxina aqui, ia passar roupa ali, cuidei de uma menina portadora de deficiência. Aos 24 anos, me casei e engravidei. Cinco meses depois, engravidei de novo e meu filho nasceu prematuro. Bem nessa época eu cuidava das crianças, da minha casa, da minha avó que estava idosa e do meu pai que ficou doente.

Aí, a situação apertou porque me separei do marido alcoólatra que não pagava pensão e tive que arranjar emprego. Quando fui matricular minha filha na escola, acabei ajudando a professora que estava toda atrapalhada com as crianças. Foi quando a diretora me viu e me fez a proposta de emprego para ser professora. Tenho formação de magistério e aceitei. Em 1998, minha irmã precisou da ajuda da minha mãe ao lado dela em São Paulo, meus filhos não conseguiam ficar longe da avó, e eu me mudei com eles também. Comecei a trabalhar como professora eventual nas escolas e como faxineira na casa das amigas da minha irmã, fiz os dois até 2005. De sábado passando roupa e fazendo faxina e durante a semana cuidando da casa da minha irmã e dando aulas na escola.

Eu nunca abandonei o trabalho de trabalhadora doméstica porque esse sempre foi o meu dinheiro certo. A verdade é que se eu pudesse escolher, queria um marido pra me sustentar enquanto eu cuido só da minha casa. Amo fazer trabalho doméstico, sempre fui do lar, mas não pude ter esse luxo, por isso limpo também a casa dos outros. E me sinto muito importante fazendo isso, aliás, a pessoa mais importante da casa! Tudo passa pelas minhas mãos, é claro que sou importante, não é? Acho, inclusive, que deveria ter uma formação específica para ser trabalhadora doméstica. Eu adoro administrar a vida dos outros e poderia ensinar.

Hoje eu não faço mais faxina com a mesma frequência que antes porque não tenho mais condições físicas e sou exigente com os meus resultados. Se for pra limpar mais ou menos, eu não quero. Eu gosto de ter o poder no meu trabalho. Se eu acho que um móvel não está bem posicionado, eu mudo ele de lugar. Meus patrões sempre me elogiaram e sabem que sou boa no que faço. Isso eu garanto.

Ser trabalhadora doméstica é um ponto vital de orgulho. A maioria não valoriza o nosso trabalho, mas, ao meu ver, é porque a trabalhadora doméstica não se valorizou antes. Por conta da minha história de vida, ter que reaprender a andar sem muletas aos 10 anos de idade, eu valorizo demais a minha força e as minhas conquistas. Só agora depois dos 50 que estou sentindo os sintomas do pós-poliomielite mais fortes e aceitando que as coisas estão diferentes.

Eu posso ter diploma debaixo do sovaco, mas nunca vou deixar de ser trabalhadora doméstica. Tenho orgulho do trabalho, dos resultados e do meu dinheirinho garantido. O papel da trabalhadora doméstica é muito importante na sociedade, principalmente na economia. A maioria das minhas colegas não tem estudo para ter outro emprego e como trabalhadora doméstica ela tem acesso à independência dela. Como um banqueiro, uma empresária ou um doutor poderia fazer bem seu trabalho na rua se não tivesse alguém cuidando da casa e dos filhos dele? Eu penso assim. E fico triste e chateada quando falam mal da profissão. Amigas que têm vergonha de falar que são trabalhadoras domésticas, mesmo tendo comprado casa pra família no nordeste, trocado de carro e donas da casa própria. Não entendo.

Pude construir a minha vida com o prazer de saber que servi bem alguém. Eu luto pelas trabalhadoras domésticas, até mesmo por aquelas que ainda se envergonham. A vida é feita de lutas e essas lutas mudam uma sociedade. A luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas é linda, eu luto de cabeça erguida”.

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